texto tirado e adaptado de
(http://www.naturlink.pt/canais/Artigo.asp?iArtigo=4969&iLingua=1)
Julgo que quase todos temos uma imagem dominante e quase idílica do
montado, à qual não falta o sobreiro, a azinheira e à sombra
desta, a vida no Alentejo. Esta imagem é também de tranquilidade
e de harmonia. Sem percebermos, ou sem nos interrogarmos porquê, sentimos
que há uma harmonia da paisagem que resulta de um território
ordenado, contrastando com o resto do país, e talvez, para muitos,
esta seja a única paisagem possível na região do Alentejo.
A verdade é que, para quem lá vive e para quem o visita, o
montado é a genuína paisagem
alentejana e há muito tempo
que assim é.
A história da agricultura na Europa inclui um conjunto de sistemas agro-silvo-pastoris de
desenvolvimento regional, com uma profunda relação
entre a natureza e a cultura. Tais sistemas de produção são
cada vez mais reconhecidos como sistemas sustentáveis de
prática
agrícola, os quais representam um valioso apoio
da transição
para uma futura utilização mais sustentável do solo.
Do ponto de vista agrícola e ambiental, os montados constituem um
dos exemplos de sistemas tradicionais de uso do solo na Europa que se podem
considerar sustentáveis.
Uma parte importante das paisagens europeias mais valiosas são um
resultado da actividade agrícola, que permite práticas de uso
do solo nas quais os processos ecológicos têm lugar. Apesar
destes sistemas terem sempre sido dinâmicos, respondendo a muitas alterações,
em particular os sistemas de pastoreio,
têm uma longa história
de relação com a vida selvagem. A manutenção
destas paisagens e do seu valor natural exige a continuação
da gestão tradicional da actividade e tipos de pastoreio.
Com efeito, a gestão tradicional do montado envolve pouca perturbação do
meio ambiente, pelo que estes ecossistemas suportam uma elevada biodiversidade,
que é mesmo superior à dos bosques mediterrânicos a
partir dos quais o montado evoluiu. A elevada biodiversidade que os montados
preservam também faz com que sejam considerados um modelo de desenvolvimento
sustentável, conciliando a exploração e a conservação.
Não obstante este enquadramento agrícola e ambiental favorável,
ao qual se tem de acrescentar a mais-valia económica
resultante da produção de cortiça associada ao montado
de sobro que,
para além de constituir um importante produto de exportação,
garante emprego a milhares de portugueses, e ainda, de um enquadramento legal
favorável – a necessidade de preservar os ecossistemas de montado é,
actualmente, consagrada por
políticas nacionais e europeias – a
verdade é que estamos a assistir à degradação
e destruição de grandes manchas de montado em Portugal, em
particular nos locais onde a pressão imobiliária é maior
e em resultado do abandono da terra.
Ao mesmo tempo que em Portugal se assiste à destruição
do montado, surge agora uma nova ameaça:
uma forte e vergonhosa campanha internacional contra a cortiça, através
da disseminação
de um discurso demagógico e falso sobre as práticas de obtenção de
cortiça e dos seus impactos sobre a natureza, riscos para a saúde
pública, etc., numa tentativa sem precedentes para acabar com o monopólio
português, substituindo-o, naturalmente, por outro, o das rolhas de
plástico. É preciso fazer o possível e o impossível – Estado,
Indústria e Cidadãos – para combater esta campanha internacional
que pode pôr em causa a sobrevivência do montado.
Se a demanda internacional
de cortiça diminuir, poderemos vir a assistir à substituição
de montados por opções não agrícolas, muito provavelmente
sem viabilidade económica
e ambiental a médio ou longo prazo.
Não há dúvida que a produção de cortiça,
juntamente com as outras actividades económicas complementares, são
fundamentais para manter a sua actual exploração. Se esta actividade
económica for reduzida ou mesmo eliminada, em algumas áreas,
as actividades complementares, como por exemplo os animais ou a recolha de
cogumelos, não são suficientes para manter a actividade agrícola
e, inevitavelmente, outras possibilidades se passarão a contemplar
para transformar o actual uso do solo.
Se perdermos a importância económica da indústria corticeira, receio bem
que perderemos um forte aliado da agricultura ambientalmente favorável
e o futuro do montado será incerto. Teremos, provavelmente, a polarização das
práticas agrícolas, de sistemas extensivos para sistemas
intensivos, ou o abandono via marginalização,
promovendo-se, em ambos os casos, a perda da biodiversidade nas áreas
semi-naturais. Ao mesmo tempo, assistiremos ao despovoamento destas áreas,
tantas vezes semi-áridas e sem outro tipo de vocação
agrícola.
Estes agrossistemas têm
um indiscutível valor para a conservação
da natureza. Acolhem uma grande biodiversidade e, além disso, constituem
uma actividade económica capaz de preservar a ruralidade, mantendo
o tecido social em zonas frequentemente marginais.
A perda da actividade corticeira pode vir a significar também o abandono
das terras agrícolas
e o despovoamento de zonas, que apesar de serem actualmente pouco povoadas,
são ainda zonas vivas e com capacidade de regeneração social
e demográfica.
Em algumas zonas do país, a pressão para destruir áreas
de montado é enorme e crescente. Em particular, na área metropolitana
de Lisboa e ao longo dos eixos rodoviários principais
de ligação à capital,
a pressão urbanística tem vindo a destruir montados, apesar
da existência de uma lei que protege os sobreiros e penaliza quem os
corta. A verdade é que nem as coimas têm
sido suficientes para dissuadir os infractores nem a fiscalização se
tem revelado eficaz. A constatação desta situação
levou o Ministério da Agricultura a propor a alteração
da lei, por forma a incluir mais obstáculos e coimas a aplicar ao
corte de sobreiros, e cuja aprovação final aguardamos. Infelizmente,
parece-me que as alterações positivas introduzidas não
serão suficientes para impedir a destruição do montado,
em particular nas zonas acima mencionadas.
* Helena Freitas
Professora da Universidade de Coimbra
Liga para a Protecção da Natureza